por Ediel Ribeiro
Rio - Nos anos 70, quando eu era flagrado lendo a “Playboy” - revista de mulher pelada - meu álibi era bastante criativo: “Estou vendo os desenhos do Caulos”. As páginas com os desenhos do Caulos me salvaram, várias vezes, de levar broncas homéricas da minha mãe.
Caulos me viciou na pornografia. Ele publicava em todas as revistas dedicadas ao público masculino: “Fairplay”, “Playboy”, “Ele & Ela”, “Penthouse”, “Oui”, “Lui” e “Status”.
Na época, eu achava que Caulos era um desenhista francês, como o Bosc e Wolinski, de quem eu também era fã. Só vim descobrir que ele era brasileiro quando vi seus trabalhos publicados no semanário “O Pasquim”.
Luis Carlos Coutinho, ou Caulos, como ele assinava seus trabalhos, nasceu em Araguari, município do interior do estado de Minas Gerais, localizado no norte do Triângulo Mineiro, em 1943. Aos 9 anos mudou-se para o Rio de Janeiro. Chegando no Rio, vindo de uma família extremamente pobre, foi trabalhar como boy numa empresa, depois foi balconista de um armarinho. Naquela época, ganhava meio salário mínimo.
Desenhava diariamente. O primeiro personagem que aprendeu a desenhar, copiando dos gibis da Disney, foi o Pato Donald. Com 11 anos de idade já lia as obras completas de Monteiro Lobato. “Eu adorava reproduzi-lo. Adorava”, conta ele, que além de desenhar começava a escrever suas primeiras historinhas.
“Considero escrever e desenhar duas atividades muito semelhantes. Costumo inclusive dizer que desenhar é uma maneira de escrever” - diz.
Cartunista e pintor, no final dos anos 60 decidiu abandonar a carreira de piloto da Marinha Mercante e assumir de vez a vocação para o desenho. Era 1969, Caulos, então com 24 anos, foi trabalhar numa gráfica e, pouco depois, já demonstrando certa habilidade para o desenho de humor, começou a fazer seus primeiros cartuns.
Nos anos 70, o cartunista manteve uma tira diária na página de tiras do “Jornal do Brasil”, o jornal mais influente da época. Foi então que surgiu “O Pasquim” na vida do Caulos. Ainda jovem, o cartunista levou seus desenhos, que já exibiam um grafismo primoroso e inovador, característico de toda sua obra, para Jaguar, editor de humor de “O Pasquim”.
“Eu fiz uns desenhos, nunca tinha feito nenhum cartum, e levei para o Jaguar. Ele me atendeu e disse que ficaria com três deles e ainda me indicou a revista Fairplay - antecessora da revista Playboy -, onde o Ziraldo trabalhava para levar alguns desenhos coloridos”.
Jaguar gostou do traço do garoto, fã do artista romeno-americano Saul Steinberg, como ele, e publicou os três trabalhos do promissor cartunista. A partir daí, Caulos virou colaborador contumaz do semanário, chegando a diretor de arte da publicação.
“Fiquei em dúvida se procurava o Ziraldo ou não. Porque o Ziraldo para mim era um Picasso, o Jaguar era o Miguelângelo, então fiquei assim, né! Na semana seguinte comprei o Pasquim e estavam lá, meus três desenhos, fiquei entusiasmadíssimo! E resolvi procurar o Ziraldo, que olhou os meus desenhos e começou a falar, só não me chamou de gênio. Eu era um desenhista dedicado, mas não era nenhum gênio. Publicaram então os meus desenhos na revista Fairplay”.
O Ziraldo estava naquela época dirigindo o Jornal A Última Hora, e precisava de um desenhista, e aí levou o menino. Foi sua primeira experiência séria com o jornalismo. Em 1972, no dia do seu casamento, foi demitido.
“O Pasquim estava mal das pernas. Devia muito, era mal administrado. Era o caos. A redação teve que sair da casa na Clarice Índio do Brasil e foi para uma sala alugada em Copacabana. Mas Caulos não abandonou o barco: “Desenhei muito de graça para o “Pasquim”, disse.
Além de publicar seus cartuns, Caulos fazia com Ivan Lessa a coluna Gip, Gip, Nheco, Nheco, uma das mais lidas do jornaleco. Caulos também desenhou para o “Jornal do Brasil”, “Ùltima Hora”, “The New York Times”, “Correio da Manhã”, “O Cruzeiro”, “Manchete”, “Fatos & Fotos”, “Senhor”, “Folha de São Paulo” e “Opinião”, entre outros.
A partir da década de 80, passou a se dedicar exclusivamente à pintura, fazendo exposições individuais no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o MAM, nas Galerias Bonino e Ipanema e na Bolsa de Arte de Porto Alegre.
Caulos é autor de mais de vinte livros, com textos e ilustrações próprias, entre eles, “Só Dói Quando Eu Respiro”, o mais popular. Publicado originalmente na década de 1970, o livro é uma coletânea de trabalhos do artista gráfico que apresenta questões ecológicas, políticas e críticas ao regime militar e a censura.
Mesmo com mais de três décadas, os desenhos abordam temas atuais que, ainda hoje, incomodam e mexem com todos nós que vivemos aquele período.
Para o escritor gaúcho, Luís Fernando Veríssimo, Caulos é o cartunista-aranha: "Primeiro você é atraído pela beleza do desenho e das cores. Depois ri da piada. Depois sacode a cabeça com a engenhosidade de tudo. E então começa o fascínio. Um quadro do Caulos a gente não vê. A gente vai vendo. Quando vê está lá dentro. E aí o risco é todo nosso".
*Ediel é jornalista, cartunista e escritor.
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