quinta-feira, 18 de abril de 2024

34 ANOS DE 'CHEGA DE SAUDADE'


Rio - Outro dia, estive com Ruy Castro, na Livraria Travessa, no Leblon. Por acaso, eu estava com seu livro “Chega de Saudade - A história e as histórias da Bossa Nova”, editado pela
Companhia das Letras, em outubro de 1990.

Um livro grande (464 páginas), já bem gasto.  Ele pegou o livro, autografou e emendou: “Ediel, este livro já está meio defasado. A Companhia das Letras lançou uma nova edição, em 2016, revista, ampliada e definitiva”.

Fui atrás do livro. E constatei que o tempo somente fez bem ao livro “Chega de Saudade”. O livro chega aos 34 anos com o justo status de bíblia da Bossa Nova. Contudo, o tempo  jamais ofuscou o brilho eterno de um livro que, como a Bossa Nova, parece eterno.

Para o jornalista Ruy Castro - quando escreveu o livro, em 1990 - a bossa nova era João Gilberto (1931 – 2019). O livro do Ruy parte da saga de João Gilberto, um jovem que parte de Juazeiro, na Bahia, para Salvador (BA) e, da capital da Bahia, para o Rio de Janeiro (RJ), com escala em Diamantina (MG). A trilha sonora era a batida diferente do violão de João que mudou a música brasileira ao sintetizar a cadência do samba nas cordas do violão.  

Acrescida de vasta “cançãografia”, a edição revista de “Chega de Saudade” depura o texto da edição original de 1990 e conta histórias novas como a de Pacifico Mascarenhas que morreu na semana passada (9), aos 89 anos, em Belo Horizonte. 


A história está na crônica de hoje de Ruy Castro, na Folha de São Paulo. 


Ruy Castro escreveu: “Pacifico Mascarenhas era um garoto de 21 anos, de férias com seus parentes em Diamantina (MG), em 1956. Gostava de violão e ficou sabendo de um músico de passagem pela cidade: um rapaz baiano, João Gilberto, hospedado na casa da irmã Dadainha. Nosso herói, chamado Pacifico, foi procurá-lo. Bateu palmas no portão e o próprio João Gilberto atendeu. Pacifico se apresentou, falaram de violão e João Gilberto convidou-o a entrar.


João Gilberto contou que era músico profissional no Rio e trabalhara na Rádio Tupi. Estava dando um tempo na casa da irmã, concentrado em algumas ideias sobre um novo ritmo no violão. E mostrou a Pacifico uma batida sincopada, diferente, cheia de divisões difíceis. Pacifico gostou. Falaram-se mais algumas vezes e Pacifico voltou para Belo Horizonte, onde morava com os pais. Dois anos depois, em 1958, escutando rádio, reconheceu a voz e a batida do violão. Era "Chega de Saudade", com João Gilberto. E aquele ritmo se chamava bossa nova.

Gostava da comparação que fiz em meu livro "Chega de Saudade", de que seu encontro com João Gilberto lembrava o camponês de Stendhal, que, ao arar a terra e ouvir os canhões ao longe, não sabia que estava em meio à guerra de Waterloo. Pacifico, sem saber, ouvira o primeiro rascunho da bossa nova.

O próprio Pacifico teve uma bela carreira musical em Minas Gerais, com reflexos nacionais. É autor de canções como "Demolição", "Minha Ex-Namorada" e "Começou de Brincadeira", que quase toda a bossa nova gravou, e criador do conjunto Sambacana, que revelou Milton Nascimento”.

A nova edição de “Chega de Saudade” está imperdível;  mas, a minha velha edição, de 1990, é histórica e impagável. Principalmente, agora, com a assinatura do Ruy Castro.

*Ediel Ribeiro é jornalista, cartunista e escritor.