terça-feira, 23 de julho de 2024

OS BARES DE OTELO CAÇADOR



por Ediel Ribeiro


Rio - O jornalista e cartunista Otelo Caçador, durante mais de trinta anos, fez n’O Globo a coluna ‘Penalty do Otelo’, a página de humor esportivo mais famosa da imprensa brasileira.

Otelo, antigo morador do Leblon - de onde dificilmente saía; tinha medo de atravessar túneis - era um boêmio de carteirinha. O legendário boêmio, bebeu em quase todos os bares do bairro, do Degrau ao Belmonte. Mas Otelo tinha três bares de preferência: o Clipper, o Senegal e o Bracarense. 

O Senegal é um boteco que de especial só tem o fato de ter sido um dos bares frequentados pelo Otelo Caçador. Ficava (não sei se ainda existe) numa galeria na Avenida Afrânio de Melo Franco, 170, no Leblon. 

O Clipper tem quase oitenta anos. Fundado em 1945 por um português já falecido, é um boteco clássico do Rio de Janeiro, que resiste até hoje na esquina das ruas Carlos Góis e Ataulfo de Paiva, no Leblon (bem em frente ao antigo Cine Leblon).

O Bracarense, ou “Braca” - que é como os habitués costumam chamar o boteco -, é um dos mais famosos botequim do Rio de Janeiro. O Bracarense, ainda hoje é um espaço democrático, sem rótulos. Ou seja nem hétero, nem LGBT. 

No último sábado, depois de muito tempo, voltei ao Bracarense. Da última vez que estive lá, o chopp ainda era tirado pelo Dirceu, o onipresente Chico era o garçom preferido da turma e Alaíde pilotava o fogão.

Na época, era comum encontrar o cartunista Jaguar e o escritor João Ubaldo Ribeiro jogando conversa fora em uma das mesas da casa. Outro frequentador contumaz do Braca era o músico Tom Jobim, que chegava a levar a dobradinha da Alaíde, para comer no Bar do Tom.

Otelo Caçador era bom de copo. Uísque e chope, principalmente. No velho “Braca”, o jornalista esbarrava constantemente com Valido, um de seus ídolos rubro-negros da década de 1940, e o jornalista Maneco Muller, o “Jacinto de Thormes”. Otelo bebeu no Bracarense com gente da cultura. Bebeu com João Saldanha, com Tom Jobim, Paulo Mendes Campos e com o compositor e pianista Luiz Reis.

Jaguar, outro frequentador assíduo do bar, conta em seu livro “Confesso que Bebi - Memórias de Amnésico  Alcoólico", que passou um tempão sem aparecer no Bracarense porque o saudoso “seu” Armando, o português sócio do bar, não cobrava suas despesas. Nem a do João Ubaldo Ribeiro.

Em 2006, quando Ivan Lessa retornou ao Rio, depois de 28 anos de autoexílio em Londres,  encontrou-se com  Jaguar no Bracarense. 

Os dois eram velhos amigos. Se conheceram na revista ‘Senhor’, onde Ivan escrevia os textos dos cartuns de Jaguar. Juntos, fizeram, a partir de 1968, o melhor retrato artístico de Ipanema: a história em quadrinhos "Os Chopnics" (gozação com os beatniks), lançada no ‘Jornal do Brasil’ e no ‘O Globo’, simultaneamente.

Nela surge pela primeira vez o ratinho neurótico Sigmund, que mais tarde, com o nome abreviado para Sig, virou o símbolo do Pasquim. Era inspirado no hamster de estimação do boêmio Hugo Bidet. O bicho acompanhava o dono nas farras e era chamado de Ivan Lessa.

Nas tirinhas Bidet se transforma no Capitão Ipanema, com super poderes, em luta contra o vilão Dr. Carlinhos Bolkan (mistura do cronista Carlinhos Oliveira e do próprio Jaguar). Da depressiva Tânia da Fossa, antítese da garota de Ipanema, só conhecemos a voz nos balões que saem de dentro de um buraco. 

Aquele encontro no Bracarense foi histórico. Foi o último encontro de Jaguar com Ivan Lessa, que  morreu em Londres, em 2012.


*Ediel Ribeiro é jornalista, cartunista e escritor.

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*Foto do site Museu da Pelada



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