quinta-feira, 30 de março de 2023

A POESIA DE JOYCE MANSOUR




por Ediel Ribeiro


Rio - Gostos dos poetas ousados.    

Joyce Mansour (1928- 1986) é uma delas. Mansour nasceu em Bowden, Inglaterra, e viveu parte de sua vida no Egito, de onde, aos 25 anos, mudou-se para a França.

Em Paris, onde estreou como poeta em 1953, com o livro Cris (Gritos), integrou-se ao movimento surrealista, tornando-se a principal poeta ligada ao Surrealismo francês. 

Na França, durante as primeiras décadas do surgimento do Surrealismo, mulheres eram aceitas, porém jamais foram vistas e respeitadas como artistas. 

Joyce Mansour, no entanto, é mencionada como uma exceção. 

Embora admirasse o Surrealismo à distância, somente em 1956, em  Paris - onde aconteceu seu primeiro encontro com o escritor, poeta e teórico do surrealismo, André Breton, com quem já se correspondia - Mansour se envolveu com o movimento que propunha a valorização da fantasia, da loucura e a utilização da reação automática, onde o artista deixa-se levar pelo impulso, mostrando tudo que lhe vier à mente, sem se preocupar com a lógica, a estética e a moral.

Na época, o Surrealismo começava a enfrentar desgastes e necessitava beber de novos horizontes que o revitalizassem. 

A poesia de Joyce, que enfatizava a violência sofrida pela mulher, suas imagens dilacerantes, e a força da mulher que se recusa a converter-se no que o homem quer fazer dela, causou um impacto eficaz e decisivo à sua recepção no movimento. 

Mansour escreveu dezesseis livros de poesia e cinco de prosa. ‘Gritos, Rasgos e Rapinas: 23 poemas de Joyce Mansour’, publicado no Brasil pela editora Lumme, dão uma amostra do poder e da força de seus versos. A obra traduzida por Eclair Antonio Almeida Filho e com prefácio de Cláudio Willer traz 23 poemas extraídos de seis livros de Joyce, incluindo textos póstumos e dispersos.

Sua poesia despudoradamente insana e pagã é um convite ao rito, ao culto a ancestralidade e a vida, trazendo à frente  a figura da mulher como força criadora e aniquiladora, rainha da arena em que duelam Eros e Tânatos, amor e morte, ambos avassaladores.


Aqui, dois dos melhores poemas de Joyce Mansour:


Eu Roubei o Pássaro Amarelo

Eu roubei o pássaro amarelo
Que vivia no sexo do Diabo
Ele vai me ensinar a seduzir
Homens, veados, anjos de asas duplas
Ele vai rasgar minha sede, minhas roupas, minhas ilusões
Ele vai dormir
Mas o meu sono será através dos telhados
Murmurando, gesticulando, violentamente fazendo amor
com gatos

Nua

Nua
Flutuo entre despojos com bigodes de aço
Com a ferrugem de sonhos interrompidos
Pelo suave bramido dos mares
Nua
Persigo as ondas de luz
Que correm sobre a areia semeada de crânios brancos
Muda eu planejo sobre o abismo
A densa gelatina do mar
Pesa sobre meu corpo
Monstros legendários com bocas de piano
Se refestelam na sombra dos abismos
Eu durmo nua


*Ediel Ribeiro é jornalista, poeta e escritor.


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