por Ediel Ribeiro
Rio - Nos anos 80, a redação do 'Pasquim' funcionava na Rua da Carioca, 59, no centro do Rio, em um daqueles prédios de fachada fina, que existem até hoje.
Essa rua tinha três coisas boas: o Cine Íris, um cinema que exibia filmes pornôs, o Bar Luiz e a redação do ‘Pasquim’. Não necessariamente nessa ordem.
A redação funcionava em cima de um sebo. Antes de entrar no jornal, eu garimpava relíquias na livraria empoeirada. Foi lá que encontrei ‘O Pasquim’ de número 26, de 1969, com a entrevista do Juca Chaves, na época, no auge da carreira.
Hoje, através de um amigo jornalista, que mora na Bahia, fico sabendo que o ‘Menestrel’, aos 83 anos, está sofrendo com o mal de Alzheimer. A doença cruel que lhe causou o desaparecimento da memória o obrigou a parar com tudo. Interromper a sua obra.
A arte de Juca Chaves, cantor e compositor que era uma das referências do meu tempo - uma figura que tive o prazer de conhecer, quando eu editava a revista ‘Rádio Magazine’, mas não a honra de conviver com ele - pode não estar mais em sua memória, mas continua viva na de seus fãs.
Nasceu Jurandyr Czaczkes Chaves, em 22 de outubro de 1938, no Rio de Janeiro. Filho de um judeu austríaco chamado Josef Czaczkes, que, para se naturalizar aportuguesou seu nome, acrescentando o sobrenome Chaves e de dona Clarita Wainstein. Com formação em música erudita, começou a compor ainda na infância. Iniciou sua carreira no fim da década de 1950, tocando modinhas e trovas.
Nos anos 60, montou um circo chamado ‘Sdruws’, nas proximidades da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Corte de Cantagalo. Ali, apresentou seu primeiro show: ‘O Menestrel Maldito”.
Em 1973, Juca Chaves foi morar no último andar do edifício Yemanjá, de frente para a praia do Leme. Lá, ele conheceu sua musa, a então modelo Yara, no dia 15 de julho de 1974.
Logo depois se mudou-se com ela para outra cobertura, na Delfim Moreira, no Leblon. “Fiquei com saudade, adorava ir jantar no Shirley’s, adorava o Jerusaleme”, disse, brincando com a alta concentração de judeus no bairro.
Era crítico do regime militar, teve muitas músicas censuradas e chegou a se exilar em Portugal. Na entrevista que deu para o ‘Pasquim’, Juca quase afundou o jornaleco. Quem contou essa história foi Haroldo Zager que foi editor do tablóide:
“Uma declaração dele nesta entrevista mudou radicalmente o destino do jornal. Perguntado sobre quem era o maior antissemita do Brasil, sapecou: Oscar Bloch.
E quem era Oscar Bloch? O dono da Bloch Editores. Judeu. Deu merda!
Apoplético de nascença, Bloch ligou para Altair de Souza, o dono da Distribuidora de Imprensa, e deu o ultimato:
— Altair, coloca esses vagabundos na rua! Ou a Bloch ou eles!
Com o despejo, o jornal transferiu a redação para uma casa alugada na Rua Clarisse Índio do Brasil, 32, em Botafogo.
Outra história do Juca:
Em 1968, o Brasil vivia a ditadura militar e todos morriam de medo da censura. Juca Chaves havia voltado da Itália e estava estreando seu show no teatro Leopoldina, em Porto Alegre. No meio do espetáculo, Juca estava no palco com seu violão quando, de repente, entra uma guarnição da Polícia Militar.
Um tenente:
- Me acompanhe!
E o menestrel:
- Em que tom?
Por pouco, a porrada não comeu solta.
Crítico feroz da ditadura militar, Juca usava o humor sutil para fazer as pessoas pensarem. “Humor não é para gargalhar, gargalhar é uma forma de rir grosseira” - dizia.
Chegou a ser exilado em Portugal na década de 1970, por incomodar o regime com suas sátiras. Seu primeiro sucesso foi "Presidente Bossa Nova", de 1956, ainda no governo de Juscelino Kubitschek.
Aos dezessete anos começou a trabalhar como jornalista na redação do jornal Última Hora, de Samuel Wainer; aos 20 entrou para o Partido Comunista. Chegou a escrever diversos livros.
Em uma entrevista, perguntado sobre qual a importância da memória para o ser humano, respondeu: “A memória é mais importante que o coração!"
Juca Chaves reside hoje na Bahia, com Yara Chaves e tem duas filhas adotivas, Maria Morena e Maria Clara.
*Ediel Ribeiro é jornalista e escritor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário