"A ditadura tinha uma coisa pesadíssima, mas os militares, na maioria, eram nacionalistas. Hoje, o governo é sorrateiro! São fascistas, que cortam verbas da cultura e da educação, mas soltam confetes para estúpidos." (Jorge Salomão)
O POETA JORGE SALOMÃO
por Ediel Ribeiro
Rio de Janeiro - Em uma entrevista que fiz com a cantora Luiza Possi, para o “Jornal do Rádio” , ela, encantada, me mostrou a letra de um poema que sua mãe, Zizi Possi, tinha gravado no álbum “Amor & Música”, de 1987. Era “Noite”, de um poeta baiano chamado Jorge Salomão.
“Eu fico quieta num canto,
penso medito e me espanto
A vida dá voltas, mistérios,
o que é que eu vou fazer?
Sozinha num quarto fechado,
eu vejo cidade de longe,
Procuro alguém que se esconde
por onde começar ?
Noite, há horas te espero e você não chega em meu coração
Fogo acesso, corpo paixão, sou toda explosão.”
Foi assim, meu primeiro contato com a obra do poeta Jorge Salomão, morto no início deste ano.
Eu já conhecia o poeta e letrista Waly Salomão, irmão de Jorge, mas, confesso, não conhecia o poeta nem sua extensa obra.
O poema, musicado pelo Nico Rezende, fez grande sucesso e catapultou o poeta baiano para o “rol dos “queridinhos” da MPB; tendo músicas gravadas por Roberto Frejat, Marina Lima, Adriana Calcanhotto, Cássia Eller, Barão Vermelho, Zizi Possi e Zé Ricardo, entre outros.
Jorge Dias Salomão, foi um poeta brasileiro, compositor e diretor de teatro, nascido em 3 de novembro de 1946, em Jequié, na Bahia e morto em 7 de março de 2020, no Rio de Janeiro.
Jorge Salomão Iniciou a carreira no teatro, onde foi aluno de Luis Carlos Maciel, o guru da contracultura do jornal "O Pasquim”.
Dirigiu várias peças teatrais em Salvador, entre as quais "O Macaco da Vizinha", de Joaquim Manuel de Macedo; "A Boa Alma de Setchuan", de Bertold Brecht; e ainda diversos shows musicais, entre os anos de 1967 e 1969.
Jorge se mudou para o Rio de Janeiro em 1969 e, ao lado de Waly e de Torquato Neto, foi presença marcante na cena cultural da cidade.
Naquela época, trabalhou na revista “Navilouca”, criada por Waly e Torquato Neto e dirigiu o espetáculo “Luiz Gonzaga volta pra curtir”, no Teatro Teresa Raquel.
Figura atuante na “Tropicália”, o engajamento político custou caro ao poeta. No final dos anos 60 Jorge foi preso e torturado em São Paulo, pela Ditadura Militar.
Traumatizado, Jorge se mudou com a mulher para os Estados Unidos. Em Nova York, durante o auto-exílio - de 1977 a 1984 -, Jorge participou de várias experiências em vídeo e performances e conviveu com artistas como Nicolas Cage, Andy Warhol e o poeta Allen Ginsberg que “piraram” ainda mais sua cabeça.
De volta ao Brasil, colaborou com textos e produções para vários jornais e revistas brasileiras. Ele ainda produziu capas de discos para Caetano Veloso, Marina e Lobão e serviu de inspiração para a canção “Jeca total”, de Gilberto Gil.
Em dezembro de 2019, o poeta lançou o livro “7 em 1”, uma antologia de poemas e textos editada pela Gryphus, e preparava um livro sobre o irmão - morto em 2003 - em cujo título provisório seria “Duas ou três coisas que sei dele” ou “Waly, Waly!”.
Nélida Piñon escreveu sobre o poeta, na orelha de seu livro “7 em 1”:
"Ele capta o sentido da poesia no seu texto, na sua própria arte. É um homem luminoso que ama os seres, que ama as palavras, e que vai ao holocausto por elas."
Ná última visita que recebeu de seu filho, o artista multimídia, João Salomão, já no hospital, Jorge Salomão se emocionou, e escreveu o que viria a ser seu último poema e entregou ao filho. Dias depois Jorge morreu.
Tem horas que pareço eu
Tem horas que pareço Man Ray
Eu sou do tamanho da minha cor
Da cor da fita do Bonfim
Tem horas que me camuflo
Tem horas que sou molusco
Tem horas que nada sei
Tem horas que sou Man Ray
Tem horas Itapagipe
Tem horas Cubana
Tem horas curtindo cena
Tem horas olhando o mar
Tem horas que nada pareço, sem chão nem teto
Tem horas vários retratos
Tem horas que sou possível
Tem horas de escuridão.
*Ediel é jornalista, poeta e escritor.
*Ilustração: Ediel Ribeiro
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