sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

VAGN, UM COMETA



por Ediel Ribeiro 


Rio - Tem pessoas que passam pela terra rápido, como um cometa. Mas deixam seu rastro, sua luz: foi assim com Vagn. O cartunista foi embora tão rápido como surgiu: brilhante, encantador e sem palavras, como num cartum de Steinberg, seu ídolo.

Vagner Tadeu Horta nasceu em 1946, em Mariana, uma das mais antigas cidades de Minas, mas passou toda a infância em Caratinga, terra natal dos também cartunistas Ziraldo, Zélio, Mayrink, Edra e Lane. Filho de um fiscal e de uma mãe de origem alemã - criada em colégio de freiras - Vagn lia muito, desde Sartre até Guimarães Rosa, passando por Gorki e Kafka.

Chegou ao Rio numa madrugada de 1967. Sonolento e carregando uma velha mala de couro, levou uma “dura” da polícia e foi enganado por um motorista de táxi inescrupuloso que o levou até o Solar da Fossa, em Botafogo. Sem um níquel para começar a vida no Rio, Vagn teve ajuda do compatriota Ziraldo - que o incentivou  a seguir a carreira de desenhista de humor - e sua esposa Vilma Gontijo. Vilma, por sinal, foi quem sintetizou seu nome artístico de Wagner para Wagn. Mas ele trocou o “W” pelo “V” e passou a assinar Vagn.

No Rio, Vagn logo conquistou três bons padrinhos, o cartunista Ziraldo e os jornalistas Paulo Francis e Reinaldo Jardim, que publicavam seus trabalhos na revista ‘Diner´s', no ‘Jornal dos Sports’ e  em ‘O Sol’. 

Surgiu com aura de gênio do humor no suplemento ‘O Centavo’, da maior revista da época, ‘O Cruzeiro’. Publicou seus trabalhos, também, no jornal ‘Correio da Manhã’, ‘Jornal do Brasil’, ‘O Sol’, ‘Jornal dos Sports’, ‘O Pasquim’ e nas revistas ‘Diner´s’,  ‘Fairplay’ e ‘Revista da Shell’ . Na ‘Fairplay’, Vagn escreveu um conto intitulado ‘As Aventuras da Senhora Flict’. Ziraldo, que, na ocasião, procurava um nome para um livro que lançaria pela editora Expressão e Cultura, percebendo uma grande força da palavra ‘Flict’ - interjeição que ele próprio já havia utilizado na história da ‘Supermãe’, no ‘Jornal do Brasil’, em 12 de janeiro de 1969 - pediu autorização ao amigo para reutilizar a expressão no livro. Surgia, assim, o nome de um dos livros mais vendidos de Ziraldo

Vagn tinha um traço sintético, na linha de Saul Steinberg, um cartunista romeno que viveu nos Estados Unidos e influenciou gerações de artistas em todo o mundo. Entre os brasileiros, Vagn e Millôr Fernandes beberam da fonte do romeno. Muita coisa do traço do Millôr é do Steinberg. O cartunista carioca chegou a ter um livro recolhido porque um desenho de Steinberg foi atribuído a ele.

Por conta dessa influência, no auge do ‘Pasquim’, Paulo Francis - tão genioso quanto genial - escreveu que Vagn não passava de um imitador de Steinberg, que não mostrou nada de novo em seus desenhos. Ziraldo saiu em defesa do amigo: “O Francis já tinha feito isso com a Tônia Carrero; fez uma crítica tão violenta à atriz que levou um soco do marido dela, na época, o Adolfo Celi”.

Na fase mais criativa e crítica do seu trabalho,  Vagn,  participou do livro ‘10 em Humor’, da editora Expressão e Cultura. Na época, passou a desenhar cavalos com a bandeira nacional estilizada no ventre do animal, passando a ser perseguido pelos militares. Foi preso e teve seu nome incluído na lista do AI-5, conhecido instrumento de força da Ditadura Militar. Torturado física e psicologicamente, o cerceamento da liberdade transtornou-o de modo grave e perpétuo.

Posto em liberdade, confuso, doente e em choque, tentou se matar. Sobreviveu, mas foi internado no Instituto Philippe Pinel, um hospital psiquiátrico localizado no bairro de Botafogo, no Rio.  No "Pinel", super doses de medicamentos e a depressão acabaram por matá-lo, precocemente, no dia 24 de julho de 1970, aos 24 anos.

Ziraldo, em 2007, escreveu um texto em homenagem ao amigo na contracapa do livro “Ninguém Segura Caratinga”, dedicado a Vagn: “Este livro é uma homenagem à mais doce das figuras que Caratinga mandou para o mundo e o mundo mandou para o céu: o Vagn. Ele foi um artista inspiradíssimo e um surpreendente desenhista de humor que encantou a jovem intelligentsia carioca nos agitados anos da repressão”.

Voe, Vagn!


*Ediel Ribeiro é jornalista, cartunista e escritor.


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