quarta-feira, 8 de maio de 2019

MARCUS LUCENNA, NA CORTE DO JAGUAR

por Ediel Ribeiro
Rio - Tom Jobim era fã de João do Vale e das coisas do Nordeste. Numa entrevista para “O Pasquim” ele disse: “Se eu fosse editor, ia buscar coisas no Nordeste. As coisas mais geniais do mundo estão lá”.
Ouvimos o mestre, e fomos, eu e o cartunista Netto, entrevistar Marcus Lucenna, músico, cantor, compositor e poeta, nascido em Mossoró, no Rio Grande do Norte e radicado no Rio de Janeiro.
Aproveitando que Lucenna está lançando o CD “Marcus Lucenna na corte do Rei Luiz”, tirei do baú esta entrevista que fiz com ele para o “Hic!”  - um jornaleco que editei.
Alguns trechos:
“Sou de uma família de artistas. Meu pai era poeta, repentista e cantador. Um dia, ele me levou para ver uma apresentação de Luiz Gonzaga. Gonzagão começou a cantar “Asa Branca” e eu disse: “pronto, quando eu crescer quero ser igual esse velho”.
E não deu outra. Ainda menino, com um violão embaixo do braço e um caderninho cheio de xotes e baiões, peguei carona num caminhão cheio de coco e sal e vim bater no Rio de Janeiro.
Sem dinheiro, fui parar na Fundação Leão XIII, um albergue na Praça da Harmonia. Era um lugar cinzento, sujo, cheio de mendigos, malandros, proxenetas e decaídos de toda espécie. A escória da cidade estava alí. Na manhã seguinte, quando abriram os portões eu caminhei, a pé, dali, até Copacabana.
Eu dormia na praia. Enterrava o violão na areia e me abrigava num saco de dormir em cima dele, com medo de ser roubado. Tocava entre as mesas no calçadão de Copacabana; do restaurante Fiorentina até o Alcazar. Do primeiro até o último da orla.
Nesse tempo conheci o Jaguar, editor do “O Pasquim”, e virei amigo dele. Foi uma amizade de andar junto pra tudo que é canto. Jaguar me levou pra morar na Ladeira Saint-Roman, onde funcionava a redação do jornal.
Comecei a acompanhar a turma do jornal até nas entrevistas. Lembro de uma entrevista antológica que participei, em Santa Tereza, com Ronald Biggs, o famoso ladrão do trem pagador, em 1963, na Inglaterra.
Jaguar era bom de copo e de conversa. Era casado com Olga Savary, uma poeta e intelectual respeitadíssima, tradutora de Pablo Neruda. Depois, ele se apaixonou pela Mara, uma negra bonita que parecia a Rainha de Sabá. Foi uma paixão louca a ponto de ele se separar da Olga e ir morar no Lote XV, em Duque de Caxias, com a Mara.
Saíamos eu, Jaguar, Mara e Ferdy Carneiro de Ipanema para Engenheiro Pedreira, pra casa do poeta Azulão. Levávamos a cerveja e dona Celina, esposa do Azulão fazia a comida. Passávamos  um final de semana inteiro por lá, bebendo e curtindo a poesia do poeta e as minhas cantorias.
Naquele tempo, tinha a corte do Jaguar e a corte do Albino Pinheiro (um dos fundadores da Banda de Ipanema). Na corte do Jaguar tinha uma figura carimbada de Vila Isabel chamado Candonga (José Geraldo de Jesus, portelense, figura folclórica do mundo do samba carioca) Ele tinha inventado uma bebida afrodisíaca chamada “Cravo Escarlate”, uma loucura!
Nós saiamos bebendo pelos botecos, de bares chiques como o Paladino e a Fiorentina,  a simpáticos pés-sujos como o Cabaré dos Bandidos, em Caxias, o Bunda de Fora e o Poleiro dos Galetos e depois Jaguar dava notas no jornal. Muitos desses bares estão no livro dele, “Confesso que Bebi”, uma espécie de roteiro afetivo dos bares da cidade.
O Pasquim reunia a chamada intelligentsia brasileira. A elite pensante. Um grupo de intelectuais que resistia à ditadura com humor inteligente. Alí, eu conheci Félix de Ataíde, Nássara, Tom Jobim, Fortuna, Ferdy Carneiro, Fausto Wolff… Aí minha vida mudou. De um cara que não tinha onde morar para amigo do editor do "Pasquim".
Virei uma espécie de Sig nordestino”.

*Ediel Ribeiro é jornalista, cartunista, poeta e escritor.

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