segunda-feira, 17 de setembro de 2018

A CASA DA CACHAÇA

por Ediel

Rio - A Rua Mem de Sá, na Lapa, como toda rua que se preza, tinha um bar.

Para ser franco, faltava muito pra ser um bar. Era um pé-sujo.
Pequeno. Pequenino. Miudinho, até. Tipo bunda-de-fora.


Mas era famoso.


Lá, Jaguar - colunista de O Dia - e Madame Satã tomavam porres de proporções bíblicas, antes de ir comer o cabrito do “Capela”; sempre seguidos de perto pelos olhos atentos do proprietário, o lendário “Seu Oswaldo”, fundador da casa.


Era a “Casa da Cachaça”, um boteco onde os notívagos vinham para tomar a última da noite; ou levar pra casa, uma das dezenas de cachaças raras da coleção do bar.


Eu tinha um bar perto dalí: o “Retiro dos Artistas”, na Rua dos Inválidos, esquina com rua do Resende, próximo aos Arcos da Lapa; e passava de madrugada no charmoso boteco pra tomar a saídeira, enquanto esperava o táxi.


Jaguar morou alí perto, num apart-hotel que a modernidade trouxe para a Lapa.


Junto com ela - a modernidade - vieram os grandes restaurantes, casas de shows, os bares da moda e os mauricinhos, que expulsaram as prostitutas e os travestis.


Depois disso, a Lapa nunca mais foi a mesma. Nem nós.


A “Casa da Cachaça” não existe mais. Fechou as portas, assim como o “Semente”, boteco com música ao vivo, frequentado por Chico Buarque, que deu abrigo e projeção a artistas como Teresa Cristina, Marcus Lucenna, Yamandu Costa, Moyseis Marques e Casuarina, entre outros.


Dos bares famosos, ainda resistem por lá o “Nova Capela”, fundado em 1903 e cujo cordeiro - consta como cabrito no cardápio - e a comida portuguesa farta e honesta ainda atrai frequentadores.


O “Bar Brasil” - aberto em 1907 - que até pouco tempo tinha a reputação de servir o melhor chope do Rio de Janeiro tirado da  sua velha chopeira de bronze.


E o “Cosmopolita”, um restaurante com porta de saloon que funciona na Lapa desde 1926; e que se gaba da criação de um prato clássico carioca: o filé à Oswaldo Aranha - um bife enorme coberto com alho, arroz farofa e fritas - em homenagem ao diplomata e ministro que frequentava a casa.
Recentemente, voltei à Lapa; e como diz a música de Chico Buarque, perdi a viagem. Aquela tal malandragem, não existe mais.


Nem a velha Lapa.

*Ediel é jornalista, cartunista e escritor

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