segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O ADEUS À ALFREDINHO DO BIP-BIP

por Ediel Ribeiro

Rio - "É proibido batucar nas mesas". Se você é de frequentar botecos, já deve ter dado de cara com esse simpático aviso por ai.

Felizmente, nem todo dono de botequim é ruim da cabeça ou doente do pé. E as rodas de samba tomaram de assalto (calma, leitor, é só força de expressão) os botequins do Rio.

A do Bip-Bip, em Copacabana, comandada pelo Alfredinho, é uma das mais tradicionais e simpáticas da cidade. O Bip - é assim que todo legítimo habitué chama o boteco - convenhamos, é apertado. Tá bom, apertadão! E quente! Mas, ainda assim ninguém reclama. 

O boteco é tão apertado que pra você mudar de assunto tem que ir lá fora. Quando a casa tá cheia é impossível ficar ao redor dos músicos. A turma se espalha pela calçada. Só conheci um pé-sujo menor que o Bip: O Bar do Samuca, em Santa Tereza. 

Eu costumava frequentar o Bar do Samuca com  Ykenga, cartunista do jornal O Dia. O bar era tão pequeno que só tinha uma mesa. Quem chegava depois, sentava em caixotes de cerveja, na calçada. Mas isso já é assunto pra outra crônica.

O Bip-Bip - fundado em 13 de dezembro 1968, dia da implantação do AI-5, Ato Institucional que endureceu ainda mais a repressão do regime militar - era um local de resistência artística e cultural. Reduto de boêmios, jornalistas, artistas e intelectuais; a partir de 1984, virou a casa da MPB, quando Alfredinho assumiu a casa.

É o quarto dono.

Agitador cultural, empreendedor e boêmio, Alfredinho nasceu no bairro de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, no dia 17 de setembro de 1966. Carismático, apesar do senso de humor ácido, Alfredo Jacinto Melo, o popular Alfredinho, transformou o espaço de 18 metros quadrados em atração internacional.


Alfredinho é conhecido tanto pela generosidade como pela ira voltada contra os que quebram a etiqueta do local: no caso os que ousam falar mais alto durante as apresentações ao vivo, ou que gritam pedindo para serem atendidos.

Foram tantas histórias vividas no Bip Bip, que geraram livros como “Bip Bip, um bar a serviço da alegria”, de Chico Genu, Luís Pimentel e Marceu Vieira, e “Bip Bip 40 anos – Histórias de um bar”, organizado por Marcelo Moutinho, Chico Genu e Luís Pimentel. Pelo bar passaram músicos como Paulinho da Viola, Paulão Sete Cordas, Elton Medeiros, Nei Lopes, Beth Carvalho, Teresa Cristina, entre muitos outros. A orquestra Rancho Flor do Sereno, surgiu no Bip Bip, no ano de 2000, idealizada por Aldir Blanc e Elton Medeiros.


Lá não tem garçons. Os próprios clientes pegam suas cervejas no freezer e cortam o queijo no balcão. O nome do bar: Bip Bip é uma homenagem ao satélite russo Sputnik, pelo seu barulho. Mas lá, não se faz barulho. "É a casa da música - resume, Alfredinho.


Às segundas e terças, rola uma roda de choro; às quartas, bossa nova; quintas, sextas e domingos o samba come solto. Músicos da nova geração, vez ou outra, dividem o espaço com bambas como Cristina Buarque, Walter Alfaiate e Moacyr Luz, entre outros. Mas como tudo o que é bom dura pouco, a roda de samba acaba ás 21h. Ordens do prefeito, acho.

Dá última vez que estive lá, mês passado, para o lançamento do livro "Sons da Palavra" do escritor e amigo Luís Pimentel tive o prazer de rever Alfredinho. 

Alfredinho faleceu em pleno sábado de carnaval, no dia 2 de março de 2019, deixando todos nós que gostávamos dele e gostamos de música, boemia e carnaval, com cara de sexta-feira de cinzas. Nesse mesmo ano, estreou no “Mimo Festival” o curta-metragem de Roberto Berliner “Viva Alfredinho!”, que narrou seu velório ao ritmo de muito samba.

Adeus, amigo.

*Ediel Ribeiro é jornalista, cartunista e escritor.




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