por Ediel Ribeiro
Rio - A história política do Brasil, contada a partir do Espírito Santo, passa, necessariamente, pelo traço de cartunistas como Janc, Mariano, Milson, Alpino e Amarildo.
Um dos pioneiros foi José Antônio Nunes do Couto, o Janc, um cartunista e caricaturista nascido no Rio de Janeiro, em 9 de agosto de 1935 e radicado, desde os anos 60 no Espírito Santo.
Janc andava sumido. Aos 89 anos, o cartunista quase não sai de casa, nem dá entrevistas. Outro dia, conversando com o cartunista capixaba, Alpino, perguntei sobre o Janc.
“Cara, você não vai acreditar, dia desses, saindo de um mercado próximo a minha casa, esbarrei com um senhor de uns 90 anos, muito parecido com o Janc saindo do bar “Eu Acho é Pouco” - um boteco com as paredes cobertas de desenhos do Janc, emoldurados. Eu só conhecia o cartunista por foto. Me aproximei e perguntei: o senhor é o Janc? Ele: sim. Poxa, eu também sou cartunista, trabalhei n´A Gazeta e sou seu fã! Ele foi muito gentil. Acabamos indo tomar um café na casa dele, ali perto. Janc era meu vizinho e eu não sabia! Acredita? A conversa durou horas. Simpático e generoso, Janc me falou da carreira e me mostrou alguns de seus trabalhos, guardados cuidadosamente em pastas; a maioria publicados em “A Gazeta” e alguns originais que ele produziu para o “Globinho Juvenil”, décadas atrás.
Foi aí que percebi que os picolés que eu comprara no mercadinho estavam derretendo dentro da minha sacola e pingava no assoalho do escritório do cartunista. Sem jeito, comecei a esfregar o sapato no chão, tentando secar o piso.
Isso me obrigou a encerrar a conversa com o cartunista, antes que eu inundasse o estúdio. Abracei o velho mestre e saí dali com minhas sacolas pingando”, lamentou o Alpino, rindo.
O jornalista e cartunista Janc tem uma longa história na publicidade e na imprensa do Espírito Santo, onde criou a Eldorado Publicidade, a primeira empresa de publicidade a ter a conta da Chocolates Garoto e a Scala Propaganda. Foi na Eldorado, a convite do Janc, que o cartunista Milson trilhou o caminho do sucesso, tornando-se o multimídia mais respeitado no Espírito Santo.
Chargista e desenhista, Janc começou a carreira no Rio de Janeiro onde trabalhou na Rio Gráfica e Editora – hoje, Editora Globo – no período de 1956 a 1962. Paralelamente, trabalhou no Departamento de Arte e Publicidade do jornal O Globo. Ilustrador e diagramador, também trabalhou nas revistas “Política e Negócios” e “Hotelnews”.
Em 1964, foi morar em Vitória, Espírito Santo, ingressando no jornal “A Gazeta”, onde trabalhou nas décadas de 60, 70, 80, 90 e onde se aposentou. Da escola de Fortuna e Ziraldo, Janc é considerado uma lenda do cartum no estado.
No jornal, exerceu várias funções: chargista, editor do caderno infantil “A Gazetinha”, e autor do “Jornal do Janc”, página publicada toda segunda-feira, onde abordava com muita criatividade e humor o esporte no Estado. Apaixonado pelo futebol, em 1976 Janc criou a Copa “A Gazetinha”, a maior competição de futebol infanto-juvenil do Brasil, que revelou jogadores como Sávio (ex-Flamengo), Maxwell e Jussiê.
Foi chargista das revistas “Aconteceu”, “TV Guia” e “Radiolândia”. Como ilustrador de livros, desenhou para a Editora de Ouro, onde publicou "Mamãe eu Quero!", uma coletânea de charges sobre televisão e rádio.
O jornalista atravessou todo o período da Ditadura Militar no Brasil. Como todo jornalista da época, enfrentou dificuldades para publicar suas charges durante a os anos de chumbo.
“Era muita censura. Para começar, eu fazia uma autocensura, separando o assunto que podia e o que não podia ser abordado. Depois do trabalho pronto, passava pela censura do editor-chefe, que às vezes vetava e eu tinha de fazer tudo de novo”, lembra Janc.
Mesmo assim, ele conseguia driblar as proibições e chegou a publicar vários trabalhos envolvendo a Revolução de 1964. Outro episódio histórico foi retratar o discurso da visita ao Estado do presidente da República Castelo Branco, o 26.º presidente do Brasil e um dos articuladores do golpe militar.
Perto de completar 90 anos no próximo mês de agosto (dia 9), Janc surpreende a todos com sua disposição, vigor e alegria.
*Ediel Ribeiro é jornalista, cartunista e escritor
Arte: Bira Dantas